Pular para o conteúdo principal

A Proliferação de Manpads na América Latina: avaliando a ameaça e a resposta regional


A Proliferação de Manpads na América Latina: avaliando a ameaça e a resposta regional


Matt Schroeder
Poucas armas têm chamado mais a atenção, nos últimos anos, do que Manpads, sigla em inglês de Sistema Portátil Individual de Defesa Aérea. A perspectiva de terroristas armados com mísseis abatendo um jato jumbo provocou uma campanha global sem precedentes destinada a reagir contra a ameaça de Manpads, campanha abraçada por muitos governos na América Latina. O que segue é uma breve descrição do comércio ilegal envolvendo Manpads, tanto globalmente como na América Latina, e dos esforços de governos latino-americanos para enfocar a ameaça dele resultante.
Os Manpads são mísseis de pouco peso, teleguiados terra-ar, geralmente disparados por meio de um tubo de lançamento que descansa no ombro do operador. A grande maioria dos Manpads utiliza um buscador com infravermelhos que, após o disparo o guia até o alvo sem nenhuma intervenção do operador. Esses mísseis “dispare e esqueça” constituem o maior número de Manpads tanto dos estoques oficiais como dos estoques de terroristas e grupos insurgentes. Além dos foguetes com buscador infravermelho, existem dois outros tipos de Manpads: os sistemas a raio de luz e de linha de visão (CLOS). Estes utilizam raios laser ou, no caso do CLOS, radiocontrole para guiar os mísseis até seus alvos. Desde os anos 60, pelo menos 20 países fabricaram mais de um milhão de Manpads e estima-se que entre 500 mil e 750 mil unidades continuam em estoque atualmente 1. Apesar de nenhum país latino-americano haver produzido Manpads, pelo menos 12 deles os importaram: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Cuba, Equador, El Salvador, Guiana, México, Nicarágua, Peru, e Venezuela2.
   
O comércio ilegal de Manpads
A compra e a utilização de Manpads por atores não-governamentais data, pelo menos, do início dos anos 70. A primeira trama terrorista confirmada envolvendo foguetes reais foi descoberta (e desmantelada) pelas autoridades italianas em 1973, perto do aeroporto de Fiumicino em Roma. Cinco anos depois, rebeldes rodesianos apoiados pelos soviéticos montaram o primeiro ataque bem sucedido com Manpads contra uma aeronave comercial, provocando a queda do aparelho e a morte de 38 das 58 pessoas que estavam a bordo 3.
 A proliferação de Manpads se acelerou nos anos 80 e 90, alimentada pelo desvio de foguetes fornecidos através de programas ocultos de fornecimento de armamento para o Afeganistão e para outros países, e pelo roubo de paióis de armamentos mal guardados do Pacto de Varsóvia, após o fim da União Soviética. Em 2001, analistas privados haviam identificado 27 diferentes grupos não- governamentais que possuíam, ou se suspeitava que possuíssem foguetes, inclusive as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), e o Exército de Libertação Nacional (ELN) também da Colômbia 3 . A proliferação de Manpads continua hoje em dia.
 Desde 2002, grupos não- governamentais compraram centenas, possivelmente milhares, de foguetes de diversos tipos de fontes, inclusive de traficantes de armas, de depósitos oficiais mal guardados e de governos. Ainda que grande parte dessa atividade esteja concentrada em três pontos quentes globais (a saber, Chechênia, Iraque e Somália) foram apreendidos, transferidos, estocados ou usados por atores não- governamentais em pelo menos 17 países. Dezenas desses foguetes foram disparados contra aeronaves civis e militares, o que resultou em vários desastres com mais de 200 vítimas nos cinco últimos anos 4.
O comércio ilegal de Manpads na América Latina
Se comparada com outras regiões do mundo, a atividade ilegal com Manpads na América Latina é relativamente modesta.  Desde 1999, nenhuma aeronave sequer foi perdida em razão de possível ataque porManpads na América Latina, a despeito da existência de diversos grupos rebeldes e criminosos com bastante recursos. Essa calmaria prolongada das atividades com Manpads é particularmente surpreendente quando comparada com a compra e a utilização ilegais desses foguetes, muito difundidas, em outras regiões. No Iraque, por exemplo, analistas privados têm registrado uma media de 20 incidentes envolvendo Manpads por mês 5. A Somália é outro bom exemplo. Em um único período de três meses, em  2006, investigadores da ONU documentaram a entrega de mais de seis embarques de Manpads para rebeldes 6.   
Ainda que muitos fatores expliquem as diferenças marcantes das atividades com Manpads segundo as regiões, a disponibilidade local e um ativo apadrinhamento pelo estado são provavelmente as determinantes principais. Pouco tempo depois da invasão pelos Estados Unidos em 2003, o mercado ilícito iraquiano esteve inundado por milhares de Manpads saqueados dos enormes depósitos de armas de Saddam Hussein. Não existe na América Latina, quanto a foguetes, fonte comparável aos arsenais de Saddam, sem os quais os rebeldes iraquianos não conseguiriam manter o ritmo atual de ataques com Manpads. Por outro lado, os grupos rebeldes ou da criminalidade da América Latina não dispõem de cumplicidades de governo comparáveis ao que ocorre na Eritréia ou no Irã, que teriam fornecido a rebeldes islamistas somalis dezenas de foguetes, inclusive o SA-18 “Iglas” de terceira geração.7
  
No entanto, como comprovam relatórios recentes sobre tráfico de armas e sobre tramas de assassinato envolvendo Manpads, foguetes avulsos são uma ameaça para aeronaves na América Latina: em janeiro de 2005, as autoridades da Nicarágua apreenderam um SA-7 “enferrujado” em uma casa adjacente a uma loja de conserto de ar condicionado perto de Manágua 8. E em julho de 2006, autoridades mexicanas alegam haver achado quatro “lançadores de foguetes terra-ar” durante uma batida na casa de um suspeito na cidade litorânea de Chetumal 9. Dois meses mais tarde, o ministro do interior do Peru anunciou a detenção de três pretensos contrabandistas de armas e a apreensão de cinco foguetes terra-ar. Segundo as autoridades peruanas, os contrabandistas estavam tentando vender as armas a rebeldes colombianos 10.

Porém, o incidente mais significativo foi a trama para assassinar o presidente salvadorenho, Elias Antonio ("Tony") Saca González, cujos detalhes foram revelados pelo próprio presidente em entrevista coletiva dia 6 de outubro. Segundo o presidente Saca González, o suposto traficante de drogas George Nayes planejava abater o helicóptero do presidente com um “lançador de foguetes de pronto disparo” – identificado na mídia como sendo um SA-7 – que as autoridades supostamente encontraram perto de um dos pontos de aterrisssagem do helicóptero. Saca afirmou que a tentativa de assassinato era uma resposta à sua luta contra as drogas e que Nayes havia tentado, sem sucesso, comprar mais foguetes na Nicarágua.  A trama – assim com outros relatos de tráfico de Manpads na América Latina – lembram com força a ubiqüidade da ameaça dos Manpads , mesmo em regiões nas quais o tráfico de foguetes é menos comum 11.
  
A luta contra a ameaça dos Manpads na América Latina

Os países latino-americano têm tomado diversas medidas para enfocar o tráfico ilícito de MANPADS. A realização multilateral mais importante foi a adoção da Resolução 2145 da OEA: “Não permitir o uso deManpads por terroristas – Controle e segurança dos Sistemas Portáteis Individuais de Defesa Aérea”12
Igualmente notáveis são os recentes programas bilaterais de governos destinados a destruir foguetes excedentes às necessidades das agências de governo. Os esforços conjuntos dos Estados Unidos e da Nicarágua destinados a reduzir os massivos estoques excedentes de Manpads resultaram na destruição de 1.000 foguetes (quase metade do arsenal militar) e na melhoria das condições de segurança nos depósitos que acolhem os demais foguetes. Os governos Bush e Ortega estão atualmente debatendo sobre a destruição de 651 dos foguetes remanescentes, possivelmente em troca de aparelhagem médica.12
Esses esforços representam um sério primeiro passo destinado a refrear o tráfico ilegal de Manpads na América Latina. A adoção universal de controles de transferências e de procedimentos de segurança nos termos da Resolução 2145 deveria reduzir significativamente as possibilidades de roubo e de desvio deManpads dos arsenais do governo, assim como a adequação das dimensões desses arsenais por meio da destruição de foguetes excedentes e obsoletos. Mas obter  a plena implementação, por todos os estados da região que possuem Manpads não é algo simples. A Resolução 2145 não é legalmente vinculante, e não existem mecanismos apropriados para monitorar e fazer cumprir sua implementação. 
Tampouco os Estados estão obrigados a aceitar a proposta dos Estados Unidos de ajudar na destruição de estoques e na melhoria das condições de segurança; as preocupações com a soberania dos Estados e a defesa nacional às vezes retardam ou desviam esses programas. A superação desses obstáculos vai exigir o envolvimento ativo da OEA sob forma de inspeções periódicas – e seus respectivos relatórios – sobre a implementação da Resolução 2145. Exigirá igualmente que os Estados-membros ajudem e agradem os países que deixarem de aplicar as cláusulas-chave.
1 U.S. Government Accountability Office, “Further Improvements Needed in U.S. Efforts to Counter Threats from Man-Portable Air Defense Systems,” GAO-04-519, maio de 2004.
2 James O’Halloran, Jane’s Land-Based Air Defense 2006-2007 (Cambridge University Press, 2006) e Stockholm International Peace Research Institute, Arms Transfer Database, acessado em novembro de 2007.  
3 Thomas Hunter, “The Proliferation of Manpads ,” Jane’s Intelligence Review, Setembro de 2001.
4 Matt Schroeder, “Rogue Missiles: Tracking Manpads proliferation trends,” Jane’s Intelligence Review, Novembro de 2007. 
5 Michael Knights, “Unfriendly skies: Iraq’s Sunni insurgents focus on air defence,” Jane’s Intelligence Review, maio de 2007.
6 UN Security Council, “Report of the Monitoring Group on Somalia,” S/2006/913, Novembro de  2006.
7 Existem várias outras teorias sobre as razões específicas dos rebeldes colombianos não haverem utilizado seus MANPADS.   Ver  Pablo Dreyfus, “Political Economy of Illegal Arms Acquisitions in Colombia”, Background Paper for the Small Arms Survey- Rio de Janeiro, inédito, junho de 2005  e “Rogue Missiles…”
8 Ver “Nicaraguan president dismisses report army may be trafficking missiles,” El Nuevo Diario, 31 de Janeiro de 2005; Traci Carl, “Shoulder-fired missiles U.S. left behind in Central America raise terror fears,” Associated Press, 25 February 2005; e Rowan Scarborough, “Nicaraguans seize missile during sting,” Washington Times, 27 January 2005. 
9 Jorge Dominguez, “Mexican authorities arrest four suspected hit men armed with missile launchers,” Associated Press, 29 de julho de 2006. 
10 “Peru police bust network smuggling munitions to Colombia,” People’s Daily Online, 27 September 2006
11 Marcos Aleman, “Salvadoran president says Colombian drug cartel member planned his assassination,” Associated Press, 6 de outubro de 2006 e “Saca uses assassination attempt to justify new security policy,” Latin American Weekly Report, 10 de outubro de 2006.
12 Adotada na quarta sessão plenária, em 7 de junho de 1005.  Verhttp://www.fas.org/asmp/campaigns/MANPADS/2005/OASmanpads.pdf
13 Filadelfo Aleman, “Nicaragua negotiating with U.S. to destroy missile stash,” Associated Press, 3 October 2007.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

BLINDADOS SUECOS! Sveriges Militärfordonsmuseum, Arsenalen ou The Swedish Tank Museum - O Museu AÇO!

𝗢 𝗔𝗖𝗘𝗥𝗩𝗢 𝗗𝗢 𝗔𝗥𝗦𝗘𝗡𝗔𝗟 𝗗𝗘 𝗚𝗨𝗘𝗥𝗥𝗔 𝗗𝗢 𝗥𝗜𝗢 𝗗𝗘 𝗝𝗔𝗡𝗘𝗜𝗥𝗢

O Arsenal de Guerra do Rio (AGR) remonta aos idos de 1762, quando foi criado pelo então governador da capitania do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade - Conde de Bobadela - com a denominação de “Casa do Trem”, na Ponta do Calabouço, Centro do Rio de Janeiro, onde atualmente se encontra o Museu Histórico Nacional. Ao longo de sua história, o Arsenal se caracteriza pelo apoio ao poder de combate do Exército, destacando-se por sua atuação nas Revoltas do Brasil Regencial, na Guerra da Tríplice Aliança, na Guerra de Canudos, na Revolta da Armada, Guerra do Contestado, bem como na Segunda Guerra Mundial.  Atualmente, o AGR, desempenha atividades de fabricação, manutenção e pesquisa, constituindo-se em organização militar de fundamental importância para a manutenção da capacidade de produção bélica do Exército, além de atuar em apoio às ações de defesa civil. Quer conhecer um pouco mais do acervo dos Arsenais e Fábricas sob guarda do AHEx? Acesse: http://www.ahex.eb.mil.br “𝘈𝘏𝘌𝘹:...

ADEREX AERONAVAL 2021